Com a provável aprovação do Decreto-Lei 36/2025 e suas emendas, a Itália corre um risco real e iminente: o colapso do seu sistema judiciário.
O texto propõe mudanças profundas e restritivas no reconhecimento da cidadania italiana por descendência (iure sanguinis), eliminando, na prática, a via administrativa nos consulados e obrigando milhões de ítalo-descendentes ao redor do mundo a recorrerem exclusivamente à justiça italiana para exercer um direito de sangue garantido há mais de um século.
O novo gargalo: todos na justiça
Centenas de milhares de pessoas que já estavam na fila consular há quase uma década serão empurradas para o mesmo caminho judicial. Isso se soma às novas gerações de descendentes que, a partir da aprovação do decreto, não terão nenhuma alternativa administrativa.
Hoje, mesmo com volume limitado, tribunais como os de Roma e Nápoles já apresentam filas de 3 a 4 anos para julgar processos de cidadania. Com a entrada em vigor do decreto, a expectativa é que esse tempo dobre.
Um direito que continuará existindo — mas inacessível
Importante destacar: o direito à cidadania italiana por descendência continuará existindo.
O Decreto-Lei 36 apresenta graves vícios de constitucionalidade ao violar princípios fundamentais do ordenamento jurídico italiano, como:
- O princípio da irretroatividade da lei (Art. 11 das disposições preliminares do Código Civil)
- O princípio da igualdade entre cidadãos (Art. 3 da Constituição Italiana)
- A própria Lei 91/1992 que regulamenta o reconhecimento da cidadania iure sanguinis
Ou seja: mesmo com o decreto, a cidadania pode continuar sendo conquistada — mas somente via judicial.
E é aí que está o paradoxo:
Um direito garantido constitucionalmente, mas travado na prática por um sistema que não terá capacidade de julgá-lo.
Especialistas alertam: o sistema vai colapsar
Juristas, associações e advogados especializados vêm alertando o Parlamento:
“A justiça italiana não está preparada para absorver milhões de novos processos com a mesma estrutura atual. Não se trata apenas de retrocesso legal — trata-se de um risco operacional e institucional.”
A proposta, ao invés de melhorar o fluxo de reconhecimento, empurra toda a demanda para um único funil: o Judiciário.
Sem investimento estrutural, isso comprometerá não apenas o andamento das ações de cidadania, mas todo o ecossistema judicial italiano.
O Decreto-Lei 36 não anula o direito à cidadania. Ele o empurra para um beco institucional.
O resultado será um sistema paralisado, desigual e inacessível para a maioria dos ítalo-descendentes — especialmente os que não têm condições financeiras de arcar com longas esperas judiciais.
Se aprovado sem mudanças estruturais, não estaremos diante de uma simples reforma de procedimentos, mas sim de um grave precedente: um direito constitucionalmente garantido, tornado inviável na prática por omissão do próprio Estado.